sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Vento atravessado

"Minha experiência e maturidade me sopram: fuja.
Meu corpo não ouve, fica."                      Martha Medeiros

No som da ventania da manhã,       
desfolhando  um romance
descobri um 'alumbramento':
"Atravessei paredes.
Estou do lado de fora."

No filme de ontem,
Comi,rezei, amei
e contemplei que minha palavra é:
attraverssare.

Coincidência?
Não. É apenas minha persona
poética, que virou arte.
Evidência?
Sou todo, e não quero fazer parte.

Me inspiraram a viver,
na ficção pus- me a  reler.
Meu corpo não ficou com o que sofria
e fugiu de mim o que nele já não cabia.

O ontem e o anteontem empalideceram.
Pintei um auto-retrato invisível e reverso.
E outras "eus" de mim nasceram...
no abstrato tornei-me tangível transverso.

Ei-me: Eu , sem farelos e raspas do passado,
que deixei prá trás, aquém das paredes.
Aqui fora, agora, sou o que estava sufocado,
me alimento de liberdade tecendo redes.

Estou num Olimpo profano
mistura de Pasárgada e  Inferno de Dante
Se vai haver desengano?
Tenho a bússula da aventura, sou viajante...

Atravessei, agora sou travessia
'Vou seguindo pela vida..."
me esquecendo de me esquecer
já não quero o que não importe
"tenho muito que viver..."
Não preciso que me suporte.

Hoje faço                                                                      
de fato,
com régua e compasso
meu querer.
Meu auto-retrato
desinvento e desfaço.
Aprendi a me defender
já não me maltrato.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A vida é um moinho

Os moinhos de Quixote
se desfazem numa dança
e a espada lança um corte
aparece Sancho Pança.

Dulcinéia enlouquecida
sente não mais existir
pois deixou-se distraída
desaprender a sorrir

No real imaginário
o fiel cavalo carrega
a vida num relicário
onde o herói  a renega.

"Desejo, necessidade, vontade"
são armas feitas de alma
que a contigente realidade
 arranca com toda calma

Um Quixote de Cartola
disse: "o mundo é um moinho"
que a tristeza não consola
quando o desejo é sozinho.

Na curva do vento

O tempo do desejo
é um lapso infinitesimal
cabe no roubo de um beijo
ou na fúria irracional

é veloz nossa vontade
pouco palpável talvez
é o sol num fim de tarde
que não tem segunda vez

 necessidade que dá e passa
feita de matéria sensível
mas papel que a gente amassa
quando vê que não é possível

E os olhos marejados
torna a visão tão turva
que os ventos desejados
se embaraçam numa curva.

Sob Candelabros

Para Valéria Soares
Ao apagar das luzes
candelabros ilumina
com maestria conduzes
sentidos que contamina

a estrofe apertada
entre o desejo e a rima
em versos livres desata
a natureza confirma

a poética esculpida é talhada
só Drummond  tem luta vã,
em cadelabros, a palavra velada
lembra  a "sêda azul da maçã".

E na paulicéia desvairada
surgem títulos e parceria
nas entre-linhas da madrugada
A amizade é feita de  poesia.

Flor de ébano

Para Márcio Nicolau
Venta um batuque do alto
já nem sei de onde parte
descalço ou sobre o salto
respinga do samba a arte

Morro pelo samba, sambando
porque do morro ele vem
pela escada  sangrando
o sangue que só bamba tem.

Preto velho sempre novo
é mais que uma entidade.
 Raiz,  resistente  de um povo,
negra-flor da  identidade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O vento da criação

PARA: PAULO FRANCISCO
Que vento é esse sobre o papel,
que as palavras atormenta
que quer libertar-se no céu
dessa página que inventa?

Poemas desesperados,
nos porões escondidos,
gritam versos amarrados,
buscam e querem ser lidos,

prosas enjauladas
desparagrafam lacônicas
desejam ser publicadas
em contos ou crônicas

Cores e nomes pedem capítulos,
a escrita e a escritura apelam,
Textos nascem e  sugerem títulos,
flertam sentidos e se expressam

A palavra é o desejo
lançado no deserto
como o sabor de  um beijo
risco traçado e incerto

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

vento ardido

Barulhou na madrugada
ventania apavorada
atravessando os sonhos
e seus desejos medonhos

mensagerio tilintava
a cortina voava
os cobertores escondia
E o vento descobria

O vento cantou a noite
com frio fez um açoite
ardia o corpo inteiro
deitado no travesseiro

sábado, 9 de outubro de 2010

Mentira ao vento

                                                                                                               
Um vento de mentira
não é, nem há...
na inverdade delira
envelopa o ar

Omite, mente, conta ao contrário
o que no teu dentro está
fundo de aquário, peixe-otário
nem consegue nadar

A quem tenta  enganar?
O mundo ou a quem te pariu?
Tua titude é de representar
a mudança que nunca sentiu...

Mentira no vento
não se espalha
só vira tormento
corta como navalha...

A verdade não anda
voa com asas astutas
a mentira hedionda
 rasteja com pernas curtas.
Tuas lembranças
desmancham as pegadas...
de tantas infâncias
que já estão apagadas

Heranças
de papéis amarelecidos
Andanças
de teus olhos esquecidos

Danças
e corpos já endurecidos
tranças
de cabelos, agora, tingidos

buracos, lapsos, sem cobrança
espaços deletados
não há rasgos da criança
arquivos confiscados

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O vento da premiação

A dinamite criada por Nobel,
embalou a revolução de papel
 e explosões nas trincheiras latinas
Soldados Armados de Poesia
achacoalhados pela agonia.

O imaginário abaixo do Equador
recheado de reivindicações e calor,
surgiu numa  literatura que já foi menina
na suavidade das páginas que já foi moça
hoje é mulher parideira legítima
com a premiação do peruano Vargas Llosa.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

vento da mudança

Um vento libertário
virou-me pelo avesso
e arrancou de mim
tudo que foi contrário
aquilo que mereço

a leveza restaurada
perfumou toda a  tez
e deixou em fim
a restauração de minhas calçadas
sob as janelas abertas de vez

o sol invadiu o vento
verão nas cavernas frias
penetrou em mim
chuva de sentimento
brototaram novamente alegrias

sábado, 2 de outubro de 2010

vento marginal

Amo o poema impuro
respingado de  tudo
resultado de lavras
descombinando palavras.

Escorro por estas brechas poéticas
eróticas, turvas, aventuras-estéticas
me lambuzo no abuso performático
elegendo dissonâncias, sendo intergaláctico

Estendo-me lendo o ocaso e o acaso da poesia profana
estico-me a cada verso atirando-me sem nojo ou receio na lama
molho os olhos a dessecar o excesso do avesso da incompreessível gravura
leio com sentimento, tormento, sem censura, recorto o excremento do poema-escultura

Alcanço o submundo, o imundo, que inaugura a devassidão alegre de todo verso, que reverso a minha alma perfura...

Vento, prá que?

Quem rasteja
não precisa de vento
nem deseja
os sopros do momento
pestaneja
sem ver o movimento
que bafeja
e torna-se alimento
só fraqueja
conjunto sem elemento
enfim boceja
sem nenhum pensamento
não conhece a peleja
da palavra-fermento
que embora não se veja
aqui em  crescimento
segue livre que seja
até ventar sentimento
e a poesia beija
sem ressentimento.