sexta-feira, 29 de março de 2013

sexta feira de paixão


O traçado azul da ondas
rasgos da estrada amarela...
enquanto o oceano faz espuma.

Charles Bukowski




Estradas desenham versos
sob os pés dançantes
tropeço em underground
combustivel do amor
esse cão dos diabos
acompanhante selvagem
e docemente cruel

Risos ecoam em memórias
frescas e boas
nos meus olhos abençoados
pela realidade

o tempo nos conduz
nos consome
o amor
nos consome um ao outro

enquanto isso...
prefiro viajar
tecendo gráficos em abraços
reencontros e despedidas

estrofes em sacos de papel
no fundo da mala
Bom dia de estranhos
entre ovos e bacon

vence o amor
porque nele não há feridas
pela manhã
só a trilha sonora
de uma página virada.

Um clips ainda segura
a certidão de nascimento e óbito
alegando na folha do meio
a metade de sentimentos
para cada um
em caso do amor acabar

enquanto isso unhas encravadas
praça vazia
caminho feito de chuva
e tudo intimamente estranho

Quanto mais vai embora
mas o vê e verá novamente
não tenho como odiar isso

no meio fio do poema
o poema grita:
PARE!!!!
Eu quero voltar

sem responder,
meu feriado é uma evasão,
minha razão
não é.

 *versos de amor à Bukowski sacondem minha insensatez.


terça-feira, 26 de março de 2013

A ESCRITA ANDANTE



"A poesia reconstitui-se hibridamente nas expressões, no magnetismo da cosmovisão
e esculpe as suas e-imigrações semantúrgicas-indizíveis nas geografias-em-desdobramento-dançante: 
oscilações das cartografias-em-risco, partilha metamórfica do desassossego,
acoplamentos de subversões-perplexidades, transmutação dos murmúrios-sígnicos, incarnação-mutante dos devires,
informulada fractura humana-animalizante, sanguinidade do desejo-experiência-pensamento na exploração mutual 
do enigma que se dissipa, intersecciona, ecoa e retorna violentamente ao estranhamento da germinalidade do deserto, 
à actualização do silabário das epifanias, às vertigens da imanência, 
à heterogeneidade fertilizadora-sacralizadora do olhar-sismológico perdido do (no) mundo……"

Luis Serguilha





   No caos reside uma forma, uma musicalidade, uma sequência, uma lógica. Várias de uma, ou uma de várias. Mesmo dissonante a vivência do som e do ritmo promovem rupturas e quebram a forma, para Criar e Ser. Há uma essência que subjaz e permanece, mesmo que se rompa a sintaxe, se quebre a forma, ou se evidencie uma disritmia.
  A irreverência e descontinuidade buscam um novo sentido, através de signos pré-existentes, por isso algo permanece intacto. O canto dos pássaros ecoa no metálico Stravinscky. Os corais Beneditinos estão presentes no Rock. Tudo é tudo modificado, reorganizado, mas no desfeito há o refeito. A garrafa pet está na construção da casa, feita com tijolos reciclados. Vivem em mim todos os que amo e os que não aprendi a amar.
  Todas as posturas mais conservadoras coabitam as vanguardas inovadoras. O sentido está para o Dadaísmo, assim como o passado alimenta o Futurismo. Todos os textos poéticos continuam e continuarão a existir nos textos posteriores, afirmando-os ou negando-os.
    O texto KOA’E de Luis Serguilha representa o inominável feito de nomes que já existiam, porém foram recombinados, ressignificados, rearticulados, construindo a desconstrução do sentido, para manter viva a transformação, A “metamorfose ambulante” e emergente, numa nova perspectiva, olhando as palavras na sua missão primeira: não de denominar, mas demonizar, chacoalhar e perturbar o silêncio da poesia e do leitor, a fim de torná-lo intolerante, desestabilizador. E, num efeito cascata, fazer do receptor uma extensão da ação desdobradora da inquietude, da loucura, do grito, das sensações, das inconsciências obtusas e secretas. É atirá-lo contra o sistema “perfeito”, organizado, recheado de “boas intenções”, e tão falso de uniformidades e redenções ao belo e sublime. O livro é um demaquilante da imposição e arbitrariedade do signo, à medida que liberta as palavras, deixando-as brotar e atravessar uma a outra, retecendo possibilidades infinitas, onde elas se beijam e se agridem, num combate explosivo que implode a forma tradicional da escritura, para construir metáforas ímpares e redimensionar a teia do inominável, no emaranhado da liberdade de escrever em liberdade.
   Luis Seguillha é um narrador, um eu lírico, uma voz, ou uma polifonia, um denominador, ou não há como denominá-lo? Ele é o quebra-nozes de palavras, que desarticula o texto, querendo encontrar entradas e mostrar que não há saídas. Numa contenção surreal, feita de flores de ametista, o tempo do texto é registrado nos relógios moles de Salvador Dalí e o espaço cubificado por mãos de Picasso, mas ecoa como o texto de Tzara, que só quer o silêncio dos sentidos, mas pra tanto acaba provocando estrondos, a partir do encontro e desencontro das palavras – que se entrechocam e se acariciam, desafinam e afinizam, numa escrita sedutora que evoca a poética da transgressão.
  Classificar, adjetivar textos como os de KOA’E é querer explicar a poesia, logo destruir a literatura, ou querer singularizar a plurissignificação. E o que há na arte desse livro é a legitimidade do discurso, pois se narrar é viver, continuar ser...O narrador de KOA’E desconstrói, retalha o texto, reedificando no seu desfazer o sentido pleno da liberdade literária: o movimento paradigmático sem eixo, abdica da lógica sintagmática, reinstalando uma nova ótica, que não se quer absoluta, pois que mutante. Serguilha, como um “chapeleiro louco”, senta-se a mesa literária, abrindo mão dos tradicionais talheres e banqueteando-se  das iguarias da língua portuguesa, lambuzando-se com a diversidade e adversidade, usando todos os sentidos.
   Há uma profunda e tensa reivindicação de autonomia em KOA’E, tanto para quem escreve, como para quem lê. Brota da desconexão que edita ilogicidades poéticas no fluxo da insanidade a lucidez do dessentido. O aparente desmoronamento sintático cria uma nova lógica. Nesse jogo de palavras cruzadas pela complexidade semântica, que cada signo carrega, tecesse uma teia infinita, uma constelação, uma via láctea literária, feita de paralelepípedos e imensidões, concretudes abstratas e abstrações concretas.
  A mistura revolucionária da convulsiva ebulição queima os olhos e provoca um pane cognitivo no leitor, que empaca pra deslanchar na resiliência e, simultaneamente, deslizar-se desdobrável nesse mosaico de linguagens paraliterário.
   Enquanto leio KOA’E, remeto-me as fotomontagens de Jorge de Lima e Murilo Mendes, e chego ao inspirador Salvador Dalí, porque há recortes em todas as novidades, diferenças e vanguarda  que são inconscientes. O texto de Serguilha é edificado sobre a areia, cheia de silêncios e gritos entrelaçados, numa tumultuada aglomeração e tempestade de remendos únicos, por serem plurais. Percebe-se uma costura as avessas, tecida por linhas tortas, curtas, longas, desenhando descaminhos e atalhos para o desencontro e a convivência dos contrários: suavidade e brutalidade, anciãos e pirralhos, orgulhosos e humilhados, avesso e direito, tênue territorialismo que encerra os que são livres dos que nunca deixaram de se escravizar.
   KOA’E é o que é, ou quase um ‘qual é?!’ da gíria popular brasileira e isso basta.
  Se narrar é ser pai e mãe, o desnarrar  do KOA’E de Luis Serguilha nega a mãe e o pai, sem se sentir filho de ninguém, encontrando sua origem no próprio fazer da narrativa, nas palavras que fazem o texto uma escrita andante, pra nele o leitor caminhar.

domingo, 24 de março de 2013

Que Tupã não os vingue!


"Todo dia era dia de Índio..." Jorge Benjor

                                                                                                           

       Sento-me diante da televisão, nesta tarde chuvosa de domingo, saboreando um delicioso café e passo de testemunho ocular a secular de uma injustiça, que em mim, gera indignação. O caminho que meus olhos percorrem pela tela tece um mosaico de impressões de uma antropologia metafísica e de uma irrealidade cruel, quando evidencia-se nos fatos, cenas e relatos, tamanho desrespeito pelo Índio brasileiro, cidadão a quem cabe todos os direitos constitucionais.
       Buscando programação, folheio as páginas de uma revista eletrônica, num canal educativo, que apresenta olhares críticos sobre o indianismo na produção literária de José de Alencar. Entre Ubirajara e o Guarani, desenha-se a perspectiva do autor da aproximação entre o índio e o colonizador. Ouço, em meio as análises e evidências,  a voz de Eduardo Portela que caracteriza o índio de Alencar uma mescla do índio "real e fabulado". Ensaio uma reflexão, diante deste comentário, enquanto troco de canal e encontro um jogo entre Corínthians e Guarani. Coincidência na aldeia?! Sei não?! O Cacique do Guarani é Branco (ex-jogador da Seleção Brasileira e do Fluminense). Branco é tão Guarani, quanto os Guaranis são brancos. E pra finalizar o primeiro tempo, os corinthianos são chamados de guerreiros.
      Volto a refletir na tentativa de entender as notícias vergonhosas, desta última semana, sobre a violência sofrida pelos índios, no Rio de Janeiro, reivindicando direitos, cobrando deveres, combatidos pela polícia como delinquentes e desordeiros. 
      Guerreiros sobreviventes de uma cultura cada vez mais renegada, já impressas em livros, em bandeiras de times, mas impedidos de entrarem num Museu que diz ser do Índio. 
       19 de Abril comemora-se o dia do Indio(?). Será que o governador foi pintado de curumin na escola e ficou contrariado? Foi obrigado a ler algum romance indianista de José de Alencar (político conservador), ou foi arrastado para uma excursão escolar pelo Museu do Indio?
     A pergunta que não quer calar é: Por que tanta violência contra um povo, historicamente, tão violentado?
      
Imagem: Clécio Penedo

quinta-feira, 21 de março de 2013

Sopro de outono

                                                         Ibitipoca - MG

O aroma escreve
nas folhas secas
a primavera passada
o adeus que não houve
o poema indizível

espalha na sua chegada
o anuncio do recomeço
na fronteira do tempo
o desenho apagado
de um abraço invisível

é o beijo da morte
anunciando a vida
o prenúncio da mudança
no vento da despedida
carregado de esperança

Azul em desconstrução
pra renascer o sorriso
amarelo da folhagem
escultura de sensações
numa nova paisagem




segunda-feira, 18 de março de 2013

...viniciando...



Há uma tristeza
em precipícios
no olhar de amor
de Vinicius.

Necessidades miúdas
de viver a simplicidade
e nas suas mãos carnudas
uma mulher de verdade

boca pra ser bebida
flor pra ser cheirada
o gosto bom da vida
toda ela engarrafada

A luz da melancolia
na nudez da lua: o dilema
até começar o dia
e abençoar Ipanema

Há na alma contente
uma voz embargada
de poesia aguardente
que canta a mulher amada





sexta-feira, 15 de março de 2013

Mata essa sede





Nada
no olhar colorido
embaça a fonte

Liquidação de horizonte
Nadifica lívido
numa ventada

Negue o seco
Saque o cego
Sangre o eco

molha o naco

me ensurdece
em nadadeiras
me esquece
em cachoeiras

Vago és...tombo
com ferido
fecho nu
do invisível.

descobre a vida
reverbere o sentido
na palavra bebida
toma o silêncio líquido






domingo, 10 de março de 2013

Infância, posso ir? Quantos passos?



Casas esbarram no azul
janelas silenciosas
contornam as ruas
árvores cochicham saudades

Paro sobre a calçada
e pulo amarelinhas
sobre os riscos do concreto:
o céu  ou inferno?
desenho abstrato
do fim do jogo

Sigo caminhando
dentro do fim de tarde
encontro o pique-esconde
da noite cobrindo o dia

Giro - faço roda de mim -
esbarro na alegria
abraço a ciranda madura
das horas feitas de memória

meu olhar de criança
me encontra sentada
procurando balas Juquinha
no bolso do tempo.

sexta-feira, 8 de março de 2013

Somos mulheres





Somos fêmeas e corremos entre o trabalho, supermercados e alegria
Somos pedra e pérolas divididas entre noite e dia
Somos Vivaldi e Luís Melodia

Somos o coração batendo a beira do mar

Somos o desespero por um filho na porta da emergência
Somos sem explicação pra ciência
Somos da flor a essência

Somos a petulância meiga e a visceral fúria de amar

Somos à deriva todos os hangares
Somos o horizonte com todos os olhares
Somos pluralmente singulares...

quarta-feira, 6 de março de 2013

Olhos de ventania




Refaz a luz
no prisma da tua janela -
esse olhar inquieto 
que o vento sopra...

Contempla a vaia dos pássaros
encantadora
num horizonte imaginário
Vaga em sensações sublimes
Sente o conforto da liberdade
e em silêncio
sorria para o pôr do sol.
Aplaude a tua vitória
de ter tecido
alma tão bela.

Condena a tristeza 
e a solidão.
Celebra a vontade de viver
entre a pele e o infinito.
Aposta no tempo
e vai...

terça-feira, 5 de março de 2013

Tinturaria da impertinência

                                                                                                          
                                                                                                     para Luis Serguilha



os muros gritam silêncios
que bloqueiam o sentido
dos tecidos voadores
que cobrem essa aldeia de mim

raspas de sonhos vendados
por palavras ásperas de amor
numa calçada beira mar
profana de tanta lisura

pirâmides invisíveis
sacodem fronteiras e ilhas
que trago dentro de todo
alarme musical banhado
de dissonâncias suaves

bacias de anil enfeitaram
os quintais de minha infância-madura
nas mãos de quem me criou
pra me desconstruir
num acampamento de sonhos
que não houve
flores dormentes
me fizeram sensivelmente forte
calidamente Mulher

labirinto de vida segue cego
em pensamentos de misericórdia
pelos que são poesia

nó de cores degeneradas
pano do des_sentido do ser
nas esquinas feitas de palavras
que brindam a sobrevivência
recheada de versos satélites
e tintas de artilharia
forro de casa simples
gotejando sobre as etiquetas caras
costuradas por mãos escravas
borradas e tortas de tanta vida





segunda-feira, 4 de março de 2013

A margem das telas





    Na fila do cinema, logo a minha frente, observo um casal curioso: o neto e a avó. Ele uns 13 anos, ela uns 78 e ambos conversam sobre vários filmes, atuações, direções, como dois profundos especialistas. Não há perguntas , somente conclusões. Ele fala espalhando os braços, ela segura as mãos pacientemente a ouvi-lo.
     Surge, entretanto, um momento em que o menino esquece o nome do comentarista da premiação do Oscar, o que a avó prontamente lembra. Neste momento, o menino pára, olha interrogativamente a avó e sofismático faz o seguinte comentário: _Você não viu, só ouviu o Show do Oscar, vó, eu que fiquei lá até de madrugada não guardei o nome do comentarista?!?! É...Vocês são a memória  do que não vemos, não ouvimos, não sabemos. A memória que nos falta.
    Continuei, namorando a cena, enquanto a entrada foi liberada. O neto encaminhou, carinhosamente, a avó pela labiríntica entrada da sala de projeção. Ele dava apoio pra que ela  subisse os degraus, quando ela sorriu e afirmou: _ Cuide bem de sua memória e dos seus joelhos. Ele respondeu, balançando positivamente a cabeça: _ Eu cuido, vó. Eu cuido, porque aprendo isso todo dia com você.
    Sentaram a minha frente, silenciosamente, aguardando o começo do filme.
    Após a última cena, acesas as luzes, o menino orgulhoso da avó a elogiou: _ Nossa! Tudo lindo, como você contou. Esse tal  Víctor Hugo cuidou da memória de todo mundo, nessa história, pra ninguém ficar de joelhos.
    Cenas assim alimentam e eternizam clássicos como Os Miseráveis e o  final de um domingo.

domingo, 3 de março de 2013

Vento arredio













foto de Claudia Lemos




Basta-me a vida escorrendo
entre escombros e alegrias
viver em mim é verdade
sem confeitos de hipocrisias

ando e corro se necessário
desfaço-me em imaginarias
apago caminhos falsários
e abraço boas energias

Desfaço-me a coser
rasgos sem colagens
desconstruo a escrever

buscando ventonagens
com liberdade  pra tecer
meus silêncios selvagens






sexta-feira, 1 de março de 2013

Ad_Vento



Passei a vida colhendo estrelas
no regaço azul do céu.
Ventavam flores de luz.
Eu arranhando horizonte
desenhava a aurora
e o pôr do sol em meus olhos.

Guardei planetas e sonhos.

Minhas constelações
regam os jardins estéreis
e baldios.
Nas horas abertas
mergulho profundamente
na magia do meu universo particular.

Sou cada estrela desgarrada
por este vento de existir.