No badalar do sino são 6 horas. Há um quarto do dia já perdido e o silêncio após
a badalada anuncia os ruídos das calçadas e ruas desenhadas por passos operários.
O sol chega a janela e o rosa da parede clareia os olhos da menina,
fazendo brilhar seu desejo de viver, mas pela abertura da porta ecoa a voz que
corta a liberdade daquele momento. O aposento fica cheio de ordens e vigilância.
Abrem-se os olhos, depois da brecha atiçada pela luz dos postes, pois é noite e
a fogueira diante da lua cheia faz um chamado a vontade de fugir pela janela. O
parapeito vira um trampolim para o mundo. Burlando o controle, a saia voa leve
pela rua sob estrelas. A secura da boca na madrugada traz a sede que a acorda.
Aos poucos a madrugada atravessa seu corpo tomado pelo tempo. Suas necessidades
fazem estremecer, quer os olhos cerrados e banhados pelo sono, porém não
consegue dormir, sonhar, nem sequer lembrar do que imaginava quando encarava o
papel de parede encarnado, usando carmim no rosto ou batom vermelho, naquele
espelho que revelava uma mulher tomada pelo impulso da satisfação.
Enquadra-se
na moldura a grisalha figura matriarcal que pintou as paredes daquela casa e seu
rosto em maquiagens extravagantes, na escuridão fugidia em que a liquidez a
fazia ultrapassar obstáculos, tecer desafios e alcançar a sensação permissiva e
animar-se, mordendo a oportunidade de sentir o perfume da liberdade.
Depois, a água do banho e o cabelo trançado pra escola enganava a censura, mas
recendia na manhã o orvalho das noites perfeitas. Escorria das mãos a água gelada e os
segredos e confissões que jamais se saberia.
Assim, perfeito era o retrato
pintado em cores mornas que o raio do sol tingia de luz toda manhã.
No fundo do quadro, em meio a mudança dos bisnetos, foi descoberto um bilhete que dizia:
a chave da porta nunca foi encontrada, mas nunca deixei de sair e exibir lá fora o
que eu não podia ser aqui dentro. Arrombem as janelas e sigam a noite, até o
grito do amanhecer, antes que sejam emoldurados.
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