sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Só Memórias

 


A lembrança mais remota de plateia familiar que tenho não aparece no meu álbum de retratos internos:

Não lembro do batizado, aniversários foram poucos, mas primeira comunhão eu fui sozinha, nem lembro se podiam ou queriam ir  a formatura do Primeiro Grau, hoje Fundamental II, eu nem sabia direito o que era, só pediram pra eu ir de uniforme completo. As famílias estavam lá, menos a minha.

O Segundo Grau, agora Ensino Médio, eu fui oradora e meu pai foi, entrou comigo e nem ficou, minha mãe ficou mais um pouco, mas logo voltou pra casa. Eu nem tenho fotos deste momento com eles. Só com meus colegas e professores.

Daí veio a Graduação: Primeiro o Bacharelado, que não tive formatura, porque era caro, programado no Rio Centro. Nós não tínhamos nem como chegar lá...fiquei na comissão um tempo e desisti, mas as vezes penso é que se eu fizesse formatura, talvez tivesse que ir só novamente... Bom, não aconteceu e eu peguei meu diploma brindando com cafezinho junto ao Secretário e o Diretor da Faculdade de Letras da UFRJ.

A seguir veio a Licenciatura, a Especialização, o Mestrado sem nenhuma honraria ou homenagem, a não ser eu olhando no espelho e dizendo: É. Você conseguiu!

No próximo dia 12/11 vou tomar posse na Academia de Letras do Brasil. Tenho direito a dois convidados, mas minha filha não está no Brasil, o que era previsto anterior ao convite, mas irei só. Sei que serei minha melhor companhia mais uma vez, numa ocasião especial.

Minha mãe dizia que eu fui seu melhor parto, que parece até que nasci sozinha, sem precisar de esforços dela ou da parteira. Eu acredito que quando morremos também é um momento que encaramos sozinhos. A sozinhez é inevitável como dizia Paulo Mendes Campos. Nunca senti solidão. Nem sei o que é isso, pois a vida não me deu tempo pra percebê-lo, porém a sozinhez é uma sabedoria de reconhecer que a ausência das pessoas com quem pretende compartilhar ou celebrar seus méritos é pra poucos: é pra quem sabe levanta-se só, quando é chamado pelo nome.



quarta-feira, 13 de outubro de 2021

PARÁFRASE

           No badalar do sino são 6 horas. Há um quarto do dia já perdido e o silêncio após a badalada anuncia os ruídos das calçadas e ruas desenhadas por passos operários. O sol chega a janela e o rosa da parede clareia os olhos da menina, fazendo brilhar seu desejo de viver, mas pela abertura da porta ecoa a voz que corta a liberdade daquele momento. O aposento fica cheio de ordens e vigilância. 
             Abrem-se os olhos, depois da brecha atiçada pela luz dos postes, pois é noite e a fogueira diante da lua cheia faz um chamado a vontade de fugir pela janela. O parapeito vira um trampolim para o mundo. Burlando o controle, a saia voa leve pela rua sob estrelas. A secura da boca na madrugada traz a sede que a acorda.        
       Aos poucos a madrugada atravessa seu corpo tomado pelo tempo. Suas necessidades fazem estremecer, quer os olhos cerrados e banhados pelo sono, porém não consegue dormir, sonhar, nem sequer lembrar do que imaginava quando encarava o papel de parede encarnado, usando carmim no rosto ou batom vermelho, naquele espelho que revelava uma mulher tomada pelo impulso da satisfação. 
           Enquadra-se na moldura a grisalha figura matriarcal que pintou as paredes daquela casa e seu rosto em maquiagens extravagantes, na escuridão fugidia em que a liquidez a fazia ultrapassar obstáculos, tecer desafios e alcançar a sensação permissiva e animar-se, mordendo a oportunidade de sentir o perfume da liberdade. Depois, a água do banho e o cabelo trançado pra escola enganava a censura, mas recendia na manhã o orvalho das noites perfeitas. Escorria das mãos a água gelada e os segredos e confissões que jamais se saberia. 
           Assim, perfeito era o retrato pintado em cores mornas que o raio do sol tingia de luz toda manhã. No fundo do quadro, em meio a mudança dos bisnetos, foi descoberto um bilhete que dizia: a chave da porta nunca foi encontrada, mas nunca deixei de sair e exibir lá fora o que eu não podia ser aqui dentro. Arrombem as janelas e sigam a noite, até o grito do amanhecer, antes que sejam emoldurados.

Quanto?

Nada.Absolutamente resignada. Tudo.Totalmente Absurdo. Metade. Pimenta que não arde. Pouco.Coisa de louco. Bastante. Parece arrogante. Inteiro. Muito verdadeiro. Põe na balança,Coisa de criança. No medidor.Parece traidor. Manõmetro? Paquímetro? Multímetro? Micrômetro? Não. Prefiro o verso livre.