sexta-feira, 31 de agosto de 2012

A cartada do Carteiro

    




   Te escrevo, porque cansei de ler nomes e endereços. Meu olhar anda cansado da expressão dos destinatários. Queria mesmo conhecer os remetentes. Saber o que há além dos seus nomes. Fico imaginando as pessoas pelos nomes, crio formas e personagens, pensando que nem se importam com as mãos e os olhos daquele que entrega suas correspondências.
     Ah! Mariete como eu queria olhar teus olhos. Saber teus sonhos. Te imagino toda vez que levo tua carta a teu pai. Ele sempre suspira e me deixa emocionado.  Penso que te esperaria um final de semana inteiro, em frente ao portão, só pra saber como és, pra ter certeza que existes.
     Também queria ser amigo, sentar pra tomar uma gelada com Adeílson.  Ele é o que se pode chamar de um exemplo de neto. Toda semana escreve pra sua Avó. Ela fica me esperando toda terça-feira, com café e  bolinhos de chuva saborosos. Eu sempre deixo esta entrega para o final, pois assim posso sentar e ler a carta pra ela. O Adeílson é um cara "gente boa", nunca deixou de mandar cartas, desde que foi pra capital estudar.
       Sei que essa minha prática de carteiro só é possível, porque eu trabalho em uma cidade do interior, mas meu CEP de trabalho é nesse bairro há 10 anos. E tornei-me íntimo dessas família e das  pessoas de papel que não conheço, a não ser pelo nome e endereço. Só fico muito chateado, quando tenho que entregar telegramas. É o tipo de correspondência que sempre traz notícias urgentes e nem sempre boas, na maioria das vezes, tristes. Já entreguei alguns interessantes como convocações para concursos, anúncio de nascimento, aviso de chegada em breve... 
        A carta mais significativa pra mim, foi a que eu entreguei no endereço errado e a moça, ao invés de devolver, resolveu responder ao remetente. Ele continuou a escrever pra ela e ela foi respondendo...Até que um dia ela me contou, que estava ansiosa, pra receber uma visita, que só conhecia por carta e por quem estava apaixonada. E que tudo havia mudado na vida dela, por minha causa, devido a um erro que eu cometi. Relatou tudo pra mim e nunca imaginei que ficaria tão feliz por ter errado.
         Minha vida de carteiro vai aqui contada, nessa carta de demissão, porque eu não tenho mais função, desde que surgiram outros meios de se comunicar. Sinto muito por ter que deixar um trabalho que sempre me envolveu e me fez crescer como ser humano. 
           Esta fica sendo, então, a carta do carteiro - emitida a todos do meu CEP de trabalho - que resolveu depois de tantos anos, conhecer Mariete.

           Um grande abraço a todos os remetentes e destinatários. 

                                                                                      Seu amigo o Carteiro.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

O QUE PODIA TER SIDO...



    Despediram-se. 
   Ela saltou da Van na Rodoviária. Ele seguiu para o aeroporto.
   Ela carregava uma mala pesada, não conseguia subir a escada. Então um homem estranho, como tudo o que ela sentia, a ajudou.
   Agradecida ela caminhava sobre a passarela, quando ouviu um grito:_ Espere!!!
   Era ele. Havia desistido de seguir e pedia com urgência que o esperasse. Ela ajoelhou-se sobre a mala. O esperou, encontrou, abraçou. Mergulharam num profundo silêncio. Um vasculhava o olhar do outro. 
   Andaram tropeçando na felicidade e seguiram em sorrisos mudos, até a Rodoviária, onde ficaram horas se reconhecendo, se percebendo, num tatear de almas infinito. 
   Até que se levantaram, de tão esparramados no chão, buscando um destino. Pra onde ir? 
   Foram até o guichê e compraram as passagens. Partiram, naquela manhã azul, rumo a Itabira.

TORPEDÁRIO

Tomas emprestadas
que vozes,
para responder
o que não podes?

Essas ou aquelas
vontades
tecem meias-verdades.
Caras-metades?!?!?!?

Que segredos
guardam
teus torpedos?

sábado, 25 de agosto de 2012

PARTIDA


Se sumi foi pra virar sumo.
Parto porta.
Chaveco a chave.

Vou...
de ir e ser.

Sala de espelhos
todos cegos
ao sol.
Nunca mais.

Tempestade de estrelas
no fim do caminho
em plena escuridão.
Talvez.

Subo na pedra
meu olhar.
Dentro cabe o horizonte.

Desenho meu caminho
invisível.
o sorriso.
Sempre.









domingo, 19 de agosto de 2012

Quincas de Madureira


"Vi tudo que vi, entendi como pude."
Paulo Henriques Britto
in: Geração Paissandu.


    No submundo do subúrbio carioca, abaixo da linha do trem, vive confuso, solitário e, com certeza, mais rico que qualquer endinheirado: Zé do óculos, como é conhecido nas bocadas aquele que na carteira de identidade responde como: Quincas Borba. Ele resiste nas cavernas de Madureira, onde ninguém percebe o frequentar noturno de suas companhias, quiçá graças ao barulho dos trilhos, que impede alheios ouvidos de alcançar o barulhar filosófico. Quando começam as plenárias, rosnam como cães famintos, diante de um único raquítico osso. Diz-se, esse tal Zé filósofo, um cabeça leve-livre das estocadas dos canteiros de obras, que trocou o uso do salário do livre-arbítrio pelas obras que tecem flores em seus canteiros poéticos.
    Assim segue, brindando com escritores que chegam pela via férrea, em suas mãos, retirados a dedos leves dos SEBOS. São desencarcerados líricos, convidados a marginalidades e submersos em delírios reais, sem nenhuma fantasia. Ritmados pelo som dos pés - passos sobre suas cabeças - nesta prateleira da epopéia social.
    Os SEBOS ficam no Centro da cidade. Zé do óculos invade o trem na carona dos ambulantes e vai e volta no "calote". Salta na Central, vai até a Sete de Setembro, arruma o óculos - que sempre usou pelo charme e por fazer confundir-se, ao usá-lo, entre leitor e escritor - ajeita o chapéu e um terno, cheirando a mofo, que compõe a imagem de comprador de livros raros e difíceis. Assim, dando trabalho ao vendedor, o distrai, enquanto "toma a cultura que lhe é de direito", como costuma dizer.
   Os livros são colhidos nos SEBOS  de acordo com um tema-título, nascido da capa de discussões noturnas. Na última viagem, sofreu para encontrar o assunto, advindo das demandas notívagas: Poesia de Meio-Fio. Descobriu, nesse último garimpo literário, que não há poesia de fronteira, ou a poesia está dentro ou fora, nunca no contorno, no limite, ela entorna-se pelos guetos, palácios, submundos, livrarias, ruas, ou sob uma estação de trem, mas nunca, jamais fica em cima do muro.






quinta-feira, 16 de agosto de 2012

ÚLTIMO SOPRO OPROS OMITLÚ




DES
       CONS
                 TRUI(U)-
                                  ME

Só restou
                 minha foto
na carteira de identidade.


Nunca Mais o Mesmo Vento.
 O Vento Mesmo Mais Nunca.
       Mais Nunca o Vento Mesmo.
           O Mesmo Vento Nunca Mais.


sábado, 11 de agosto de 2012

Ainda no Miolo II



Negra como caos, instalado em seu miolo,
a flor de ébano nasceu da verdade.









Contigo aprendi, que as palavras mentem,
 desenganam, fazem fila pra enfeitar a verdade,
 pois desviou as palavras, desconstruindo o destino,
 que elas criaram, que escolheram.
Elas são maiores que você,
o coração de cada uma delas é bem maior que o mundo.
 E, também, elas explodem.
 Provedores de você, os compêndios te geraram.
 Primeiro foi o verbo
 e escrever te deu boca, braços e pernas,
 para correr o mundo
e abraçar mulheres
e caminhar em páginas,
entre o poema e a prosa.
Nunca és,
 pois que sempre renasce,
a cada verso uma nova sentença,
elas determinam você,
 como horas vazantes, escorrendo pela parede do relógio.
 Você surgiu delas,
assim também o relógio da parede,
 o barco do mar,
a boca do baton,
e os olhos, onde moramos,
 das imagens impressas em nossas almas.

Tudo nasce do miolo.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

MIOLO DE TUDO

Palavras...
alargam meu coração.
Sabor vagaroso.
Íntima corrente,
espalhando elos,
explodindo mundos.

Despojos, golpes na realidade.
Mãos invisíveis,
remexendo vísceras.

Monólogos ao pé do tímpano.
Belezas sacroprofanas.
Não-dizeres.
Calada voz.
Estação de um sentido profundo,
embrulhado em folhas
outonais,
libertas de serem escritos.
Textos embrionários,
tecendo escadas mudas
em minhas bibliotecas submersas.

Páginas de pedras
em poesias rupestres.
Peles unhadas nas costas do tempo.

domingo, 5 de agosto de 2012

O APAGADOR DE VULCÕES




  " Na manhã da viagem, pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus vulcões. Ele possuía dois vulcões em atividade.(...)Possuía também um vulcão extinto. Mas como ele dizia: 'Nunca se sabe!' Revolveu também o extinto. Se são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente, constantemente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Aqui na Terra, nós somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que eles nos causam tanto dano."
    E foi assim, que conversando com a flor, que o mandava seguir em frente, sem demora, que Ele seguiu, após depositar a fala do Pequeno Príncipe em seu pensamento, o incentivo da flor em sua alma e uma bússula de vento em seu coração, além de um segredo: Sempre admirara a beleza e a sensualidade dos vulcões, que o seduziam, por isso era preciso combatê-los. Não tolerava a desobediência da natureza. Queria dominá-la, para poder dominar-se.
    Muito distante da sua vontade, mapeou o caminho, até o encontro necessário. Enquanto, desenhava a trajetória, em seu devir, desconstruía-se em cada lava do vulcão vindouro. Não se sabe se era o primeiro combate, que enfrentaria, mas parecia ser o vulcão, que mais o incomodava. Ele teria seis dias para contê-lo, amansá-lo...desviabilizá-lo, desviá-lo da rota do seu olhar, pra não mais pensar, sonhar, desejar, amar aquela forma destruidora de viver de verdade. Ave a mentira de ser feliz no seu planeta! Ele, a Flor, e as palavras, sem vulcões, sem Baobás, sem palavrão - lavrado pela boca do vulcão. Só seu jardim, um desenho simples - ideal burguês dos séculos ( velhos e comuns), crianças no balanço, e quem sabe, numa pétala - pele da rosa - a memória da imagem rubra do vulcão extinto - pêlo instinto.
     Depois de longa jornada: o encontro. Em lavas de pensamento, sabia o perigo e se encolhia,
ensimesmando, por onde evitar como atacar, como matar. Vivia num mundo virtual, estudando possibilidades artificiais, para conter a força da natureza, especificamente do manto que corria sob seus pés, querendo explodir a sua frente, subindo pelo seu corpo-terra. O que o incomodava - mais que tudo- era aquela chuva quente que exala vida e enxofre e o reflexo daquele fenômeno incontrolável dentro dele, por isso precisava morrer e pra tanto decidiu matar, eliminar a vida onde ela florescesse, pra salvar a flor intacta do seu planetinha, onde se protegia dos perigos do mundo. Era preciso e urgente abortar qualquer calor, toque comprometedor, que o fizesse queimar,ou desencadear a vontade de viver. Desafio particular: apagar esse vulcão.   
     Planejou estratégias e táticas, trabalhou o controle emocional, para denegar, não se deixar seduzir pela beleza daquela magia - vivida entre ele e toda aquela explosão de vida, até então, guardada. Não! Não podia permitir o abraço das lavas. Seria seu Amor de Perdição, que nem mesmo Camilo Castelo Branco entenderia. Ele queria o Amor de Salvação, um outro Camilo, mas não percebia que: ... era preciso perder-se para salvar-se e que querer salvar-se apontava para perdição.
     Resolveu, encorajado, flertar com o olho do vulcão, viu na promessa da erupção - que inevitavelmente aconteceria - a poesia borbulhando, querendo dizer-se, chorando pela libertação de um segredo em seus ouvidos, na ebulição que o atormentava: - Eu te quero! E por trás do véu das palavras: - Eu te amo! Seus olhos fechavam-se as salamandras, que desenhavam um rosto feito de palavras, mas ele se denegava, pra sua íntima afirmação.
      Descendo do alto daquele desejo, a fim de manter-se vivo, sem a pequena morte, morria...matava aquele vulcanesco princípio, no cruzamento de olhares, tocando o chão quente, sentindo calafrios. Vagava, como sempre estranho, sobre um roteiro que criara, quando sentiu um calor entre as pernas, escorrendo e queimando, fazendo arder os olhos num poema, que nenhum mar apagaria - sua Pompéia particular. Precisava lembrar da flor, imaginar geleiras, vinhos calmantes...entretanto os versos-lavas, tomavam a forma do seu corpo, ele corria se afastava, tentava o distanciamento, enquanto era engolido pelo seu próprio silêncio.
      As garras calorosas acariciavam seus pés e, em seguida, desistiam de tê-lo, pois já se sabiam mortas na manhã, em pleno incêndio noturno. Impotente, diante do choro quente do vulcão, em lágrimas de fogo contidas, à  espera de que recebesse de alma aberta o seu calor, lançando-se a vida, balsimizando o verso final, que não houve, os olhos do apagador acenderam-se, diante da força explícita da natureza, incendiando-se: escorregou pelo vale iluminado, largando-se à vontade, numa fogueira imensa, alcançando no mar a sua contenção. E apagando-se, partiu, levado e lavado pelas águas, reencontrando seus olhos de rio. Voltou à nascente, levando consigo as lavas do vulcão - pra sempre incandescentes - amenizadas, somente, pelo vento do poema que ainda sopra.






sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Infinito...

Morro de amor.
O amor me mata, amor.
Mato o amor que não morre.
Não morre esse amor que me mata.

Eu morro no amor eterno.
Eu morro eterno no amor.