sábado, 5 de outubro de 2013

A solidão veio morar comigo, faz tempo...

Para o meu amigo Raul:







A sozinhez (esquece esta palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar aqui sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá, abrindo a porta. "A porta do poço!". Só as criaturas humanas, nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados, conseguem abrir uma porta bem fechada e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Paulo Mendes Campos


    Lembro o meu olhar sozinho, procurando alguém, quando eu nem sabia o sentido de estar sozinha.  A casa cheia.  Um entra e sai típico de casa popular. Todo mundo queria fazer parte da minha família. Éramos sete em casa: Papai, mamãe, meu irmão mais velho, minha irmã, meu irmão do meio, eu e meu irmão caçula. Um monte de gente frequentava nossa casa. Eram vizinhos próximos, mais ou menos próximos e distantes.
    Nossa família de longe aparecia de vez em quando. Nossos consanguíneos não pareciam querer fazer parte de nosso clã, como àquelas pessoas carentes, que chegavam lá em casa afirmando: _ Queria ser seu filho (a), ou seu irmão ou sua irmã, porque até quando vocês brigam é maneiro.
   Eu observava esse movimento e, às vezes, me pegava buscando o sentido dos detalhes. Existia uma cortina estampada, bem colorida, entre a sala e a cozinha, que insistia em fazer a fronteira entre dois mundos: a parte da frente e de trás da casa. Tudo era duplo. A cortina separava os outros e a gente, mas eu gostava de me enrolar na cortina e ficar naquela fronteira tênue, entre o meu mundo e o mundo dos outros.
  Foi ali, naquele paralelo, que descobri que a verdade é dupla. Meu caleidoscópio particular já sabia disso. Tudo se construía e se desfazia, em meus olhos, principalmente as lágrimas, pois eu chorava muito bem. As vezes usava a cortina como lenço, só me enrolava nela pra torcer as lágrimas.
   Veio o tempo: esse arrastão e comeu nossa infância, nossa adolescência, nossa vida adulta e toda impermanência. Azedou o relógio, o calendário. Despetalou-se a vida dentro da ampulheta. E eu lá contemplando o mundo e a vida.
  Sempre fui só, na minha, gostando de um cantinho, pra encostar minha cabeça. O tempo nunca fez chamada pra conferir minha presença. Simplesmente ele passou, deixando seu recado: _Enfrente-me, mas considere-me seu aliado.
  É nos olhos que o tempo passa mais depressa, neles são construídas as marcas de sua passagem. A solidão é essa consciência de tudo que existe em torno, em volta, fora e que olha pra gente, enquanto a gente se olhar.
  Quando a solidão veio morar comigo, eu nem tinha casa. Havia, apenas, o desejo de morar, em algum lugar, onde eu pudesse fechar os olhos e enxergar sua presença dentro de mim.

  Essa companheira, a solidão, nunca me deixou só.

3 comentários:

  1. O nós e o mundo.Um olhar expressivo sobre a solidão e o tempo.No final estamos sempre muito sós, embora muitas vezes cercados de gente.

    Um prazer passar por aqui.

    Beijos e boa semana.

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  2. Adorei, Claudia! Confesso que sou mais apaixonada pela prosa do que pela poesia, então acabei me identificando mais com esse texto.

    Quando tiver interesse, meus blogs são:
    http://letras-distantes.blogspot.com.br/
    http://bella-fowl.blogspot.com.br/

    Beijos,
    Isabella

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  3. Maravilhoso professora !
    depois de tato tempo consegui achar seu blog e realmente me surpreendi ,gostei demais ! parabéns pelo seu trabalhho

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