domingo, 5 de agosto de 2012

O APAGADOR DE VULCÕES




  " Na manhã da viagem, pôs o planeta em ordem. Revolveu cuidadosamente seus vulcões. Ele possuía dois vulcões em atividade.(...)Possuía também um vulcão extinto. Mas como ele dizia: 'Nunca se sabe!' Revolveu também o extinto. Se são bem revolvidos, os vulcões queimam lentamente, constantemente, sem erupções. As erupções vulcânicas são como fagulhas de lareira. Aqui na Terra, nós somos muito pequenos para revolver os vulcões. Por isso é que eles nos causam tanto dano."
    E foi assim, que conversando com a flor, que o mandava seguir em frente, sem demora, que Ele seguiu, após depositar a fala do Pequeno Príncipe em seu pensamento, o incentivo da flor em sua alma e uma bússula de vento em seu coração, além de um segredo: Sempre admirara a beleza e a sensualidade dos vulcões, que o seduziam, por isso era preciso combatê-los. Não tolerava a desobediência da natureza. Queria dominá-la, para poder dominar-se.
    Muito distante da sua vontade, mapeou o caminho, até o encontro necessário. Enquanto, desenhava a trajetória, em seu devir, desconstruía-se em cada lava do vulcão vindouro. Não se sabe se era o primeiro combate, que enfrentaria, mas parecia ser o vulcão, que mais o incomodava. Ele teria seis dias para contê-lo, amansá-lo...desviabilizá-lo, desviá-lo da rota do seu olhar, pra não mais pensar, sonhar, desejar, amar aquela forma destruidora de viver de verdade. Ave a mentira de ser feliz no seu planeta! Ele, a Flor, e as palavras, sem vulcões, sem Baobás, sem palavrão - lavrado pela boca do vulcão. Só seu jardim, um desenho simples - ideal burguês dos séculos ( velhos e comuns), crianças no balanço, e quem sabe, numa pétala - pele da rosa - a memória da imagem rubra do vulcão extinto - pêlo instinto.
     Depois de longa jornada: o encontro. Em lavas de pensamento, sabia o perigo e se encolhia,
ensimesmando, por onde evitar como atacar, como matar. Vivia num mundo virtual, estudando possibilidades artificiais, para conter a força da natureza, especificamente do manto que corria sob seus pés, querendo explodir a sua frente, subindo pelo seu corpo-terra. O que o incomodava - mais que tudo- era aquela chuva quente que exala vida e enxofre e o reflexo daquele fenômeno incontrolável dentro dele, por isso precisava morrer e pra tanto decidiu matar, eliminar a vida onde ela florescesse, pra salvar a flor intacta do seu planetinha, onde se protegia dos perigos do mundo. Era preciso e urgente abortar qualquer calor, toque comprometedor, que o fizesse queimar,ou desencadear a vontade de viver. Desafio particular: apagar esse vulcão.   
     Planejou estratégias e táticas, trabalhou o controle emocional, para denegar, não se deixar seduzir pela beleza daquela magia - vivida entre ele e toda aquela explosão de vida, até então, guardada. Não! Não podia permitir o abraço das lavas. Seria seu Amor de Perdição, que nem mesmo Camilo Castelo Branco entenderia. Ele queria o Amor de Salvação, um outro Camilo, mas não percebia que: ... era preciso perder-se para salvar-se e que querer salvar-se apontava para perdição.
     Resolveu, encorajado, flertar com o olho do vulcão, viu na promessa da erupção - que inevitavelmente aconteceria - a poesia borbulhando, querendo dizer-se, chorando pela libertação de um segredo em seus ouvidos, na ebulição que o atormentava: - Eu te quero! E por trás do véu das palavras: - Eu te amo! Seus olhos fechavam-se as salamandras, que desenhavam um rosto feito de palavras, mas ele se denegava, pra sua íntima afirmação.
      Descendo do alto daquele desejo, a fim de manter-se vivo, sem a pequena morte, morria...matava aquele vulcanesco princípio, no cruzamento de olhares, tocando o chão quente, sentindo calafrios. Vagava, como sempre estranho, sobre um roteiro que criara, quando sentiu um calor entre as pernas, escorrendo e queimando, fazendo arder os olhos num poema, que nenhum mar apagaria - sua Pompéia particular. Precisava lembrar da flor, imaginar geleiras, vinhos calmantes...entretanto os versos-lavas, tomavam a forma do seu corpo, ele corria se afastava, tentava o distanciamento, enquanto era engolido pelo seu próprio silêncio.
      As garras calorosas acariciavam seus pés e, em seguida, desistiam de tê-lo, pois já se sabiam mortas na manhã, em pleno incêndio noturno. Impotente, diante do choro quente do vulcão, em lágrimas de fogo contidas, à  espera de que recebesse de alma aberta o seu calor, lançando-se a vida, balsimizando o verso final, que não houve, os olhos do apagador acenderam-se, diante da força explícita da natureza, incendiando-se: escorregou pelo vale iluminado, largando-se à vontade, numa fogueira imensa, alcançando no mar a sua contenção. E apagando-se, partiu, levado e lavado pelas águas, reencontrando seus olhos de rio. Voltou à nascente, levando consigo as lavas do vulcão - pra sempre incandescentes - amenizadas, somente, pelo vento do poema que ainda sopra.






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