Te escrevo, porque cansei de ler nomes e endereços. Meu olhar anda cansado da expressão dos destinatários. Queria mesmo conhecer os remetentes. Saber o que há além dos seus nomes. Fico imaginando as pessoas pelos nomes, crio formas e personagens, pensando que nem se importam com as mãos e os olhos daquele que entrega suas correspondências.
Ah! Mariete como eu queria olhar teus olhos. Saber teus sonhos. Te imagino toda vez que levo tua carta a teu pai. Ele sempre suspira e me deixa emocionado. Penso que te esperaria um final de semana inteiro, em frente ao portão, só pra saber como és, pra ter certeza que existes.
Também queria ser amigo, sentar pra tomar uma gelada com Adeílson. Ele é o que se pode chamar de um exemplo de neto. Toda semana escreve pra sua Avó. Ela fica me esperando toda terça-feira, com café e bolinhos de chuva saborosos. Eu sempre deixo esta entrega para o final, pois assim posso sentar e ler a carta pra ela. O Adeílson é um cara "gente boa", nunca deixou de mandar cartas, desde que foi pra capital estudar.
Sei que essa minha prática de carteiro só é possível, porque eu trabalho em uma cidade do interior, mas meu CEP de trabalho é nesse bairro há 10 anos. E tornei-me íntimo dessas família e das pessoas de papel que não conheço, a não ser pelo nome e endereço. Só fico muito chateado, quando tenho que entregar telegramas. É o tipo de correspondência que sempre traz notícias urgentes e nem sempre boas, na maioria das vezes, tristes. Já entreguei alguns interessantes como convocações para concursos, anúncio de nascimento, aviso de chegada em breve...
A carta mais significativa pra mim, foi a que eu entreguei no endereço errado e a moça, ao invés de devolver, resolveu responder ao remetente. Ele continuou a escrever pra ela e ela foi respondendo...Até que um dia ela me contou, que estava ansiosa, pra receber uma visita, que só conhecia por carta e por quem estava apaixonada. E que tudo havia mudado na vida dela, por minha causa, devido a um erro que eu cometi. Relatou tudo pra mim e nunca imaginei que ficaria tão feliz por ter errado.
Minha vida de carteiro vai aqui contada, nessa carta de demissão, porque eu não tenho mais função, desde que surgiram outros meios de se comunicar. Sinto muito por ter que deixar um trabalho que sempre me envolveu e me fez crescer como ser humano.
Esta fica sendo, então, a carta do carteiro - emitida a todos do meu CEP de trabalho - que resolveu depois de tantos anos, conhecer Mariete.
Um grande abraço a todos os remetentes e destinatários.
Seu amigo o Carteiro.
Que lindo! nem se ouve mais a palavra "telegrama"
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