domingo, 19 de agosto de 2012

Quincas de Madureira


"Vi tudo que vi, entendi como pude."
Paulo Henriques Britto
in: Geração Paissandu.


    No submundo do subúrbio carioca, abaixo da linha do trem, vive confuso, solitário e, com certeza, mais rico que qualquer endinheirado: Zé do óculos, como é conhecido nas bocadas aquele que na carteira de identidade responde como: Quincas Borba. Ele resiste nas cavernas de Madureira, onde ninguém percebe o frequentar noturno de suas companhias, quiçá graças ao barulho dos trilhos, que impede alheios ouvidos de alcançar o barulhar filosófico. Quando começam as plenárias, rosnam como cães famintos, diante de um único raquítico osso. Diz-se, esse tal Zé filósofo, um cabeça leve-livre das estocadas dos canteiros de obras, que trocou o uso do salário do livre-arbítrio pelas obras que tecem flores em seus canteiros poéticos.
    Assim segue, brindando com escritores que chegam pela via férrea, em suas mãos, retirados a dedos leves dos SEBOS. São desencarcerados líricos, convidados a marginalidades e submersos em delírios reais, sem nenhuma fantasia. Ritmados pelo som dos pés - passos sobre suas cabeças - nesta prateleira da epopéia social.
    Os SEBOS ficam no Centro da cidade. Zé do óculos invade o trem na carona dos ambulantes e vai e volta no "calote". Salta na Central, vai até a Sete de Setembro, arruma o óculos - que sempre usou pelo charme e por fazer confundir-se, ao usá-lo, entre leitor e escritor - ajeita o chapéu e um terno, cheirando a mofo, que compõe a imagem de comprador de livros raros e difíceis. Assim, dando trabalho ao vendedor, o distrai, enquanto "toma a cultura que lhe é de direito", como costuma dizer.
   Os livros são colhidos nos SEBOS  de acordo com um tema-título, nascido da capa de discussões noturnas. Na última viagem, sofreu para encontrar o assunto, advindo das demandas notívagas: Poesia de Meio-Fio. Descobriu, nesse último garimpo literário, que não há poesia de fronteira, ou a poesia está dentro ou fora, nunca no contorno, no limite, ela entorna-se pelos guetos, palácios, submundos, livrarias, ruas, ou sob uma estação de trem, mas nunca, jamais fica em cima do muro.






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