No tempo infinito do nunca.
Não te escrevo, nesse momento, porque doem
em mim as palavras. Elas gritam em meu seio, em meu ventre e se recusam serem
paridas. Há muito, essa prisão de não serem sobre os papéis as impedem de serem
escritas. Os dizeres que trago nessa não-carta, borbulham dentro de mim e são
esquisitas. Profanam, mas não proferem, preferem a jaula dos sentidos
submersos, costuram-se em meus tecidos internos e se dissolvem em meu sangue,
circulam e querem vazar pelos meus dedos amputados de caneta, lápis, tinteiro,
teclado, antes de entrarem em combate. Elas são desvalidas e valorosas pra mim,
mas recusam a folha, como campo de batalha e negam o chão, onde repousam ao
nascerem livres, para terem direções e significados. Não querem eclodir
impressas: tatuagens verbais.
Não sei quando, mas elas sairão convulsivas
ou suavemente, e arregaçarão meu Ser;
Suspenderão minha sensatez e haverão contrárias a esta epístola negada, que não
escrevo, num silêncio que as engole nesse tear de passividade perfilando
representações, vulcanizadas no interior dessa primavera embaraçada. Impedida de
florescer.
Esta missiva não há. Não pode ser. Ela é
avessa a existir e não manifesta-se em liberdade alguma, contida pelo desejo do
claustro. Expressa-se num envelope que desenha a fronteira do escrito e da
escritura. Desfaz-se em garrafas, que nunca serão lançadas ao mar. Dissolvem-se
em mares e marés, sem jamais chegarem a lugar nenhum.
Nesse carteado, coleção de jogos e impressões,
que não disputa nada, nem celebra um ganhador, nem mesmo entristece o perdedor,
as palavras esperam, na minha caixa de correio íntima, acontecerem endereços e
caminhos. Assim, empapelando-me, sou o envelope sem registro, endereçado ao
vento, sem carta nenhuma, sem palavras, sem remetente, nem destinatário.
O papel azul da carta desbotada, quase
invisível, não consegue reunir as cores primárias, que traduzem aquarelas
diluídas por sentimentos, que desfeitos em matizes abstratas, assinam, às
avessas, esta carta nunca escrita, pois um incerto pombo-correio de missivas acolhidas
pelo tempo remeteu o pensamento nessa denegação.
A sombra de uma folha na ventania.
Não escrever uma não-carta é ressentir-se de si!
ResponderExcluirque os ventos levem os sentimentos que o carteiro não vai ter o prazer de carregar.
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