sexta-feira, 28 de setembro de 2012

De fogo e silêncio...

...até   o inesperado acaba se transformando em hábito,
quando se aprendeu com a indiferença...
J . Cortázar

Ela tinha reservado surpresas pra ele, quis ser guardiã do seu sorriso, mas de repente o silêncio escuro, numa escuridão derramada no olho do ouvido.
Sem pensar, não há o que pensar...não se sabe pensar, somos ensombrecidos por algum rasto das lutas, fora do ringue. 
Nas malhas da rede, seu corpo, que ela desejou em uma tarde de circo, mas as necessidades de Seu Mago eram como sempre a sua vontade.
Jaz um olhar inútil sobre o cadáver, que nasceu pra ser feto.
Morto por um talho na garganta, nasceu o silêncio.
Carpidarias telefônicas, fumando o silêncio: essa fumaça que sufoca.
_Sou eu, que danço no silêncio e nas faíscas de sons inesperados, queimo a tristeza.
_Sou eu, é a sua voz, à beira do limite.
Calar por dignidade, devolver lentamente o receptor a seu gancho, ficar imaculadamente sozinha. 
O limite foi transposto, começou o ridículo, o pequeno inferno confortável. Na curva do frio ela encontra calor.Sente como se viesse de longe. Continua o calor e a voz dele no fundo da linha, até que a  voz se canse e não reste mais nada. Uma coisa morta que terá de repelir sem olhá-la. Pela segunda vez consegue escapulir da rede. Sente na sua pele, ou a sua pele abandonada. Peixe na rede e o veneno. 
As mensagens que realmente importam estão, em dado momento, aquém de qualquer palavra. Compreendo o fogo, o calor, como a frieza e o frio e  a detestável dissimulação...só demora o longo vão entre as palavras.
Passo por ti como as formigas:_ Sou eu, minucioso ditado sob o silêncio.
Ele sempre gostou de escolher as palavras, evitar diálogos supérfluos. Ela repete, repete, repete acentuando-as de maneira diferente. Enquanto ele prepara o mínimo de respostas sensatas que ponham ordem nesse lamentável arrebatamento.
O fogo arde, chamas...chamas...ninguém atende. Uma chuva de fagulhas e abraça Cortázar, numa solidariedade literária que queima. O óleo fervendo, o incêndio dos depósitos subterrâneos. A fumaça apaga as imagens do braço ardente  envolvido pelo fogo. 
Tudo faz ser difícil erguer um aceno. Há um vento forte.

(fragmentos de 'Todos os fogos: o fogo' de Júlio Cortázar, alimentado pelo Vento, talvez uma reescritura)




Um comentário:

  1. Muito bom, Claudia. Eu também gosto do Julio Cortazar. Um abraço. Tenhas um lindo fim de semana.

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